22/03/10

Tenho dois tipos de sonhos: aqueles que parecem tão reais que, quando acordo, o meu cérebro se enche de dúvidas sobre qual dos dois mundos é a realidade, e aqueles que parecem filmes que se desenrolam numa tela de cinema, como se eu estivesse sentadinha a desfrutar de um filme que eu própria protagonizava, bem ciente que ele nada mais era que pura ficção.
O sonho de há umas noites foi do primeiro tipo. Não me lembro dele como um todo, mas os flashes que retive permanecem tão vívidos na minha memória como se se tratassem de recordações realmente experimentadas. Há uma imagem em particular que teima em me perseguir; uma imagem tão negra, e, ao mesmo tempo, tão clara. Às vezes, quando fecho os olhos, vejo ainda a minha mão lívida e rude segurando aquele simples punhal, vejo-a a cravá-lo no peito de pessoas desconhecidas com rostos em branco e vejo o sangue a sair das feridas em jorros vibrantes. Chamo-lhe sangue apenas por ser isso que é suposto correr nas artérias e veias dos homens, pois o fluido que empapava as roupas e inundava a calçada gelada era tudo menos isso. De um castanho-acinzentado opaco, espesso e povoado de espuma pútrida, aquele “sangue” não era nada mais nada menos que lodo, libertando um odor pestilento a decomposição. E as grandes feridas que quase expunham os vermelhos órgãos pulsantes daquela gente eram, na verdade, canos de esgoto, escoando a podridão para fora daquelas conchas.
Nesse sonho, eu sentia-me uma heroína: estava a livrar o mundo das pessoas-esgotos! Porém, ao mesmo tempo, estava a sujá-lo, a encher as ruas de lodo putrefacto e nauseabundos corpos vazios. Se calhar, eu é que estava a estragar tudo – quando o sujo estava escondido nos seus invólucros, apenas incomodava os possuidores do poder, da perspicácia para o detectar; depois de eu o tentar “limpar”, inundou as ruas e ficou exposto aos olhos e narizes de todos, cegos e videntes.

Este foi apenas um sonho, apenas mais um sonho que me acordou e me pôs a duvidar da existência e da nossa capacidade de distinguir a realidade da ilusão. Nada me garante que não estou agora a sonhar e aquela sim era a verdadeira existência. Nada me diz que não coexistem ambas como reais.

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