29/11/09




ensina-me a crescer, então.

27/11/09




  Afortunados daqueles escâmeos seres que nadam em círculos na água transparente do bacio, pois não têm dentro deles a dor do sentir nem a dor do pensar, do imaginar.
  São dois, os peixinhos, um negro e um laranja, de escamas coruscantes e bolhinhas saindo das boquinhas que abrem e fecham, sem nada pronunciarem. Nadam em círculos, felizes naquela ignorância de peixe de olhos esbugalhados para o nada, apenas deslizando por entre a liquidez da água fria.
  Sim, acho que gostaria de ser um peixe, segura no meu líquido reduto, livre de drama, da minha própria humanidade. E nadando sempre em frente, em círculos, sempre em círculos.



(afinal foi grande a ânsia de voltar a mim)

13/11/09

de mim para mim:
está na hora de enfrentar umas realidades.


nao vou estar por aqui por uns tempos.

06/11/09

   Oh, está escuro e quente, muito quente, e a água rodeia-me e abraça-me e amolece-me, parecendo querer que eu desapareça nela, que me torne nela, tal como a bola efervescente que ainda há pouco ali estava e agora já não está. Puf!, desapareceu. E é como se nunca lá tivesse estado, não fosse pela cor rosada da água e a sua macieza tão pouco habitual. Não quero ser uma dessas bolas efervescentes do mundo, não, oh não!, não quero ser insignificante.
   A banheira é pequena para o meu corpo grande e desajeitado, as pernas não cabem, a água não me cobre e esconde como eu queria. Está quente, quente, e cheira a humidade e a calor. Respiro lentamente. Inspira, expira. Inspira, expira. A música cresce dentro da minha cabeça e de repente está por todo o lado – é o que dá ter o iPod no máximo, os headphones bem dentro dos meus ouvidinhos. É bonita, cheia de melodias intrincadas que me prendem e, de repente, quase que já não estou ali, mas faço força para volta, não me posso dar ao luxo de me perder. O coração bate muito depressa e muito alto; quer competir com a música, talvez. Não consegue, ele é só um e a música são muitos.
   O tempo passa, ora depressa, ora devagar, dançando à volta da música que tudo enche. O vapor eleva-se da água e parece querer dançar também, espiralando à frente dos meus olhos fechados que o vêem a bailar em volta das notas. A água arrefece, mas ainda há vapor e música e gotas a escorrer pela pele quente e macia graças a uma bola efervescente que era mas já não é.
   E a música sussurra, gritando, muita coisa. Palavras que são ritmos, ritmos que são melodias, melodias que são palavras. Não percebo a mensagem, mas sinto-a, e isso basta-me a mim e a ela, que a música não é exigente com quem a ouve. Até eu dançaria, se a banheira não fosse tão apertada e o meu corpo não fosse tão desajeitado e se a água não parecesse querer aprisionar-me ali. Estou bem, serena e calma, ali na escuridão envolvente da música.
   Pelo canto do olho fechado, vejo uma sombra. Abro o olho e não está lá nada, mas quando o fecho, a sombra volta. Ora, uma amante da escuridão, muito bem, também eu gosto dela, da escuridão. Espero. A escuridão adensa-se e a sombra ganha nitidez. Agora vejo bem, é uma rapariga e está sentada na sanita, com a tampa fechada, é claro. O rosto fica mais visível com o tempo e eu reconheço-a. Ela, a sombra, sou eu. Olha-me nos olhos fechados, os dela abertos e muito escuros, e diz algo. Não a ouço, a música é muito alta e o meu coração também. Aguardo, observando o cabelo claro-escuro iluminado pela escuridão.
   - Quem és tu?
   Agora, ouvi-a. Tão baixinho que até podia ter imaginado, mas sei que foi ela, ou eu. E tento fingir que não ouvi, concentrar-me na música gritante, mas a pergunta repete-se e multiplica-se, tão baixinho, mas tão alto. A rapariga que é igual a mim tem os lábios cerrados, mas é a voz dela, a minha voz, que flutua e ecoa acima da música, embora seja apenas um murmúrio.
   - Ora, eu sou eu – respondi.
   Pareceu-me ouvir um sorriso sarcástico que não parecia nada meu, mas afinal a rapariga que se parecia comigo não era uma rapariga, mas sim um corvo grande e mais negro ainda que a escuridão. O corvo de Põe e que também é um bocadinho de Pessoa. Ora, quem sou eu para sequer ousar comparar um corvo que me visita ao corvo de ilustres? Não, o corvo que parecia tão majestoso e profético diminui à frente dos meus olhos fechados, perde força e mistério, até se tornar num reflexo de um vulgar corvo do dia-a-dia. Não, corvo, volta! Mesmo que não fosse o de Põe, era um corvo mítico e era meu, por isso quero-o de volta.
   - Quem és tu?
   O crocitar é algo medonho, mas o corvo enorme estava de volta e eu fico feliz. Medito um pouco na resposta, mas não consigo falar, a minha voz morre no fundo da garganta.
   - Muito bem, o que queres?
   O que é que eu quero? Ora, essa é fácil. Quero-o a ele e ao corvo e quero escrever. Quero, acima de tudo, saber escrever e fazê-lo, escrever, isto é.
   - Quem és tu?
   Sei o que quero ser mas, agora vejo, não sei o que sou.
   - Não sei, admito.
   O corvo cresce e abre as asas, parece que me quer envolver naquela escuridão de azeviche que de tão profunda que assusta.
   - Se não souberes quem és, nunca conseguirás escrever!
   Mas eu quero escrever! Quero gritar isso, mas a música aparece de repente, embora nunca se tenha ido embora, e está mais alta que nunca, impedindo-me até de pensar. A água forma uma prisão, agarrando-me ao fundo da banheira, quase a tentar afogar-me. Não, ela quer é impedir-me de seguir o negro corvo que desaparece, tal como a bola efervescente, fundindo-se na escuridão tão mais clara que ele. Não vás!, quero gritar, mas é inútil.
   Quero escrever, agora sei. Para isso, preciso de saber quem sou. Para isso, não posso desaparecer como a bola efervescente ou o corvo surreal de olhos tão parecidos com os dele. Não quero desaparecer, quero saber quem sou. E vou escrever.
   E (acho que) foi aí que adormeci.