31/10/10

Doces maestros de uma orquestra infinita, os deuses descansam nos seus sofás de nuvens enquanto compõem a magistral sinfonia da chuva no mundo. Sempre gostaste da chuva, não é verdade?
Ainda ontem to perguntaram – três vezes a mesma incrédula pessoa te perguntou se não preferias o sol radioso. Respondeste que a chuva te é confortável. Sabes uma coisa? Não esperava outra coisa de ti, isso foi tão teu. Claro que a chuva te é confortável e te sabe a casa – a chuva afasta as pessoas. Olhas para a rua e vês cada um debaixo do seu guarda-chuvinha, a metros de distância uns dos outros; não há necessidade de falar, pois a canção da chuva abafa tudo. E, nessas circunstâncias, até consegues sentir que fazes parte deste mundo.
Eu sei, eu conheço-te. Posso mesmo dizer que sou a única pessoa que te conhece, e se há quem diria isto com orgulho, eu digo-o com a mais profunda das melancolias. Tu sabes bem porquê; não só eu sei que sabes como também sei que, se aqui estivesses, dirias um “Olha aquele cão tão lindo!” ou “Vê aquela nuvem! Não parece uma tartaruga?”. Conheço demasiado bem essa tua mania de tergiversar a todo o momento, muitas vezes até inconscientemente.
Tens consciência dessa inconsciência? Diz-me: o círculo de circunspecção que desenhaste à tua volta não te roubou a espontaneidade? Talvez não. Talvez murmures essas coisas aleatórias porque vês demasiado do mundo e o queres mostrar àqueles que têm os olhos cansados. Não percas tempo – esta gente só vê o que quer ver e não percebem a tua sensibilidade. Não querem ver pombas que, de um determinado ângulo, parecem coelhos, nem a parábola perfeita do salto de uma rã.
Mas (vês?) até sem aqui estares conseguiste que eu mudasse de assunto. Estava a falar do triste que é só eu te conhecer. Porque te guardas em ti? Porque te escondes no teu eterno sorriso ausente? A tua vida é fácil, e, no entanto, tens em ti o peso de uma vida de dores, porque tudo é pior quando se está sozinho. Agora argumentarias que tens pessoas à tua volta; porém, quando eu te perguntasse quanto de ti elas conhecem, calar-te-ias. És tão boa actriz que até tu acreditas no que finges. Não reparas que preenches as lacunas do que dizes a uns com o que dizes a outros. Reparas sim que já não tens espaço livre dentro de ti – tens memórias armazenadas atrás do estômago, um odor esquecido entre as vértebras, imagens escondidas nas dobras do intestino. Já não cabe mais nada porque nada sai de ti. Reformulo: saem coisas de ti, mas essas coisas só ganham forma cá fora, porque é o teu cérebro que as crias, que as costura feitas à medida para a ocasião. Porque tens tanto medo de tudo, porque achas que mereces ficar sozinha? Porque achas que vais manchar tudo aquilo em que tocares? Não podes pedir nada sem dar algo em troca, e é por não te dares que nada tens.

3 comentários:

  1. Já tinhas referido já xD É, e ainda bem que o amor não é rosas, porque assim morria mais depressa.

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  2. não? :o está numa ficha minha de português como sendo de sophia.

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